JEEP STATION WAGON E FAMÍLIA

Por Paulo Bídoli / Revista 4x4&CIA No. 39 e 40 de 1996.

Texto e Fotos cortesia revista 4x4&CIA


REPORTAGEM No. 1 EDIÇÃO 39

Esboço

O primeiro esboço do station Willys

Desta vez, o veículo que vou mostrar para você é a primeira modificação de grandes proporções que o conceito "Jeep' teve de sofrer para se firmar ainda mais no concorrido mercado civil do pós- guerra já que a Willys não tinha muita tradição no mercado de automóveis e sim no de caminhões e utilitários. Como o próprio nome já diz, trata-se da perua Jeep ou, como ela ficou conhecida aqui no Brasil, a Rural Willys.

A Willys durante os estágios finais da guerra, começou uma campanha publicitaria de grandes proporções anunciando um veículo civil que teria incorporado todas as características do já famoso Jeep militar Essa maquina era chamada nos anúncios de "Victory Car", ou seja, Carro da Vitoria e teria toda a estrutura e a mecânica do Jeep com uma carroceira mais ou menos convencional por cima de tudo. Problemas de ordem administrativa de produção e de interesses particulares internos acabaram fazendo com que esse carro nunca saísse do papel. Talvez o maior problema que a Willys teria de enfrentar para colocar o seu projeto em andamento, seria o de que todos os fabricantes de carroceiras estavam entupidos com inúmeros contratos de fabricação e não teriam condições de produzir as carrocerias necessárias ao projeto.

O projetista do Victory Car, Brooks Stevens, partiu então para uma solução que "caiu como uma luva" para a situação que se apresentava. Ele idealizou um novo conceito em desenho automotivo: a perua feita totalmente em chapas de aço.

Vale ressaltar aqui um fato bastante interessante que talvez a maioria das pessoas não saiba: não existiam peruas de passageiros, em linha de produção feitas em aço antes da guerra. O que existiu durante a guerra, foram alterações feitas em madeira para alongar carros comuns com o propósito de conseguir uma capacidade de carga maior e um aumento no número de passageiros transportados. Os Estados Unidos estavam em pleno esforço de guerra e a idéia da carona solidaria para poupar combustíveis e pneus era um dos fatores que fizeram surgir esse tipo de modificação quase artesanal que era vendido do em kits que o comprador tentava instalar ou, se preferisse (o que era mais normal), a própria fábrica instalava para ele. Mas isso é um assunto para uma outra vez.

Voltando ao que interessa, no novo conceito, um design simples e plano, que facilitava tanto a construção de matrizes que, como se dizia na época, até fabricantes de geladeiras poderiam produzir os estampos, a perna Willys acabou se tornando um dos veículos construídos que mais influenciaram as tendências cias de mercado.

Montada na mesma plataforma de 104 polegadas do Americar de antes da guerra e com generosas modificações de chassis ela absolutamente tinha as pretensões de leveza e suavidade de linhas que o Victory Car propunha. Era, ao contrário disso, prático e robusta com uma silhueta alta e angular. Como eu costumo dizer: "ela tem a aerodinâmica de uma caixa de sapatos", sem querer ofender os donos de Rurais, pois eu também sou proprietário de uma dessas máquinas e sei o quanto ela briga para vencer a resistência do ar numa estrada!

Mock-up em madeira em escala natural do que viria a ser a Station Wagon. A direita propostas de carroceria do Victory Car - 1942.

A sua concepção era bem simples, com grade plana e pára-lamas que eram praticamente cópias dos modelos usados pelos Jeeps militares. Sua aparência era bastante austera e apenas uma opção de cor era oferecida: vinho escuro nos pára-lamas, capô e capota. As laterais eram em creme com os painéis (que ajudavam a dar rigidez na estrutura do conjunto) em marrom claro para imitar madeira que era um padrão para as peruas da época.

Jeep Station Wagon e detalhes do painel - 1946

 

A perua era terrivelmente fraca em termos de potência de motor. Pesava em torno de 300 Kg a mais que o Americar e sendo ela impulsionada pelo mesmo motor de 63 hp do sedan de antes da guerra, a performance era sofrível. Um "Overdrive" (quarta marcha) era oferecido como opcional, mas logo se tornou padrão pois o carro necessitava da flexibilidade de quatro marchas.

Em termos práticos ela tinha muitas coisas boas um sistema de suspensão independente na dianteira, desenhada pelo chefe de engenharia Barney Ross, lembrava muito um sistema chamado "planar" desenvolvido pelo próprio Ross para a Studebaker no meio dos anos trinta. Utilizava sete lâminas transversais em lugar das molas convencionais. A Willys a chamou de "Planadyne".

Apesar dos modestos 4,78 m ela tinha capacidade para sete passageiros. Com os bancos traseiros removidos tinha 96 pés cúbicos de espaço para carga. Sua altura interna era de 1,27m permitindo o transporte de objetos relativamente altos.

A construção totalmente em aço eliminava os persistentes problemas de manutenção que eram a dor de cabeça para os donos de outras pernas com carroceria de madeira

O preço era varias centenas de dólares inferior ao de qualquer outra perna até a época de sua introdução no mercado.

O mais importante de tudo eram os seguintes fatores: simplicidade, confiabilidade, economia e robustez.

Atenção para um detalhe muito importante que pode chocar alguns: quando foi lançada em 1946, só existia a versão 4x2. Só em Julho de 1949 é que a versão 4x4 passou a ser oferecida.

Era apresentada unicamente na versão de duas portas e com um assoalho totalmente plano para facilitar a carga e descarga.

Foi um carro que vendeu relativamente bem: 6.534 unidades na segunda metade de 1946 e 27.515 em 1947. Pode-se afirmar que a Willys venderia todas as que eles tivessem capacidade de fabricar, mas matéria-prima em geral e principalmente as chapas de aço estavam em falta no mercado e isso tendia a atrapalhar os planos dos fabricantes de veículos.

Nessas horas sempre aparece um "espertinho" que quer ficar conhecido às custas dos outros (isso é comum até hoje em dia e principalmente por aqui) e solta um boato de que as peruas e os Jeeps civis eram feitos com peças excedentes e também com partes usadas, trazidas da Europa, dos Jeeps militares que eram desmontados. Brooks Stevens, enquanto afirmava que o visual de Jeep havia sido conservado por uma questão de reconhecimento imediato e também por economia na fabricação de matrizes, respondeu de modo bem áspero - "Qualquer um de posse de suas faculdades mentais sabe que isso não é verdade. A bitola era diferente, a distância entre eixos era diferente, não existia a tração nas quatro rodas, tudo enfim era diferente".

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Publicidade da época

 

Uma versão de luxo foi incluída em 1948 e era conhecida como Station Sedan e tinha um acabamento bem melhor do que a versão Wagon tanto por dentro como por fora, apesar de ser usada a mesma carroceria. Outras cores foram acrescentadas e, em algumas delas, em lugar dos painéis pintados imitando madeira nas 3 laterais, uma pintura em padrão xadrez que lembra uma cesta de vime foi colocada em seu lugar. Um repórter inglês que estava na apresentação do carro sugeriu que "aquilo parecia com um carro de defunto do interior". Entretanto, muitos observadores acharam esse enfeite atraente.

Jeep Station Sedan - 1948

Apresentava algumas sensíveis melhorias como a adição, como opcional, de um novo motor de 6 cilindros com válvulas laterais e uma capacidade de 148,5 polegadas cúbicas e 72 hps. Isso dava uma vantagem de 11% sobre a versão de 4 cilindros. A performance total sofreu uma melhora bastante sensível.

Na próxima matéria veremos os modelos subseqüentes a algumas variantes bastante interessantes que surgiram, inclusive a versão pick-up. Até lá e como sempre digo: mantenham os Jeeps rodando.

REPORTAGEM No. 2 EDIÇÃO 40

Como vimos na última edição, a entrada da versão Station Sedan trouxe varias melhorias de ordem técnica e de conforto ao veículo. Agora um motor mais poderoso de 6 cilindros fazia o carro mais veloz e mais forte. Os assentos foram melhorados e colocados em posições mais anatômicas, o que dava mais espaço para as pernas dos passageiros. A melhor noticia para o pessoal que tinha de fazer o seu próprio caminho nas regiões mais remotas foi a tração nas quatro rodas colocada à disposição do público em Julho de 1949. A "tração nas quatro" já existia antes e vinha sendo usada somente nos veículos especialmente encomendados pelo Exército. Outra modificação foi o uso de feixes de molas convencionais, em lugar da suspensão Planadyne, nos veículos com tração total. Como tudo que existe tem seu lado negativo, os produtos da Willys não eram exceção. Se dirigir uma perua dessas era uma delícia pela leveza e precisão da direção, fazer curvas fechadas era algo um pouco mais difícil, já que o carro tinha tendência a perder um pouco o controle. Assim como o vento de lado ou de través, como dizem os pilotos, fazia com que o carro mudasse de lado numa estrada com ou sem a permissão do motorista, os freios, que nunca foram o ponto forte dos Jeeps da Segunda Guerra, também não eram competentes na perua. As distâncias de frenagem estavam muito aquém de confortáveis e uma boa dose de pressão no pedal de freio era requerida para fazer o serviço. Por outro lado, ela se mantinha em absoluta linha reta mesmo em freadas bruscas, e graças à estranha suspensão de Ross ela dificilmente abaixava a frente durante a freada.

Ao longo da sua trajetória, a Wagon praticamente permaneceu imutável com relação à sua aparência. Quando a Willys passou para o controle da (não é a cerveja) Kaiser Frazer Corporation, em 1953, nem a proposta e nem a publicidade do carro mudaram. Ela continuava sendo, mais do que nunca, apresentada como o carro ideal para a família e serviços genéricos. As poucas alterações foram os frisos, as opções de cores, a introdução da opção pela pintura "saia e blusa" (uma cor em cima e outra embaixo) e isso sem contar os incomparáveis pneus com enormes faixas brancas que tentavam dar um ar mais luxuoso a esse belo utilitário. De 1954 a 1955 as Wagons e Furgões foram os carros-chefe da empresa. Em 1954 uma excelente opção, para ambas as linhas, foi a introdução da versão de seis cilindros do motor Hurricane. Esse motor era padrão nos carros de passageiros da Kaiser desde 1947 e, por ter 115 Hps, dava uma margem de força bastante folgada. Outra mudança, de menor importância mas bem visível, foi a redução dos frisos horizontais da grade, de cinco para apenas três. Se foi por mudança de estilo ou por economia nós nunca saberemos, mas pode apostar que isso fazia muita diferença no visual.

Outro opcional para a versão 4x4 foi a introdução, também em 1954, da nossa velha conhecida roda livre da Warn com acionamento manual que permitia engatar ou desengatar as rodas dianteiras dos semi-eixos. Acho que o funcionamento dela já é bem conhecido por todos e dispensa maiores explicações.

Algumas versões especiais foram projetadas e construídas para fins bem específicos, como por exemplo a versão para a Defesa Civil, que tinha tudo, ou quase tudo, que se necessitasse para os casos mais comuns, como um bote na capota, um guincho mecânico na frente, galões extras de combustível e todo um aparato de ferramentas e utensílios de emergência. Outra curiosidade foi um modelo projetado especialmente pára as empresas que fazem o transporte de passageiros dos hotéis para os aeroportos e vice-versa. Esta pequena "jamanta" tinha nada menos do que seis portas e três fileiras de bancos. Já pensou que emoção devia ser tentar fazer uma curva, no trânsito de uma cidade, com um transatlântico desses?

Versão super-alongada para uso em aeroportos, uma pequena "jamanta".

O ano de 1960 trouxe duas coisas. Uma delas foi meramente cosmética, ou seja, o pára-brisa das Wagons passou a ser feito em uma peça só e a outra, na minha opinião, muito mais importante: a Jeep Station Wagon passou a ser totalmente produzida no Brasil com o nome de Rural Willys (ela já era montada há dois anos por aqui com componentes importados e com a frente americana). Com a sua frente completamente redesenhada e inspirada no modernismo da nova capital (Brasília), tomou-se um carro vastamente usado e abusado por aqui. Caso você, até hoje, não tenha notado a semelhança, olhe de cabeça para baixo a frente de uma Rural e você notará a extrema semelhança dela com a estrutura que faz a frente do Palácio da Alvorada.

A Rural no Brasil, excetuando-se a frente, era exatamente uma cópia do modelo americano que estava em produção desde 46 e permaneceu assim até os últimos dias de sua produção. A única modificação de maior importância ocorrida durante a sua fabricação por aqui foi a mudança do seu motor, o velho e confiável BF-161 de seis cilindros, pelo modelo OHC de quatro cilindros em 1976 Dois anos depois ela seria tirada de linha.

Furgão

A nova cara

O ano de 1950 trouxe um novo estilo de grade para toda a linha de veículos Ela estava agora angulada e com cinco frisos cromados, em posição horizontal, dividindo por igual as nove colunas verticais; a primeira mudança de linha desde que a primeira Station Wagon foi apresentada em 1946. Os pára-lamas também estavam um pouco mais largos e com uma configuração meio pontiaguda na parte dianteira. Algo que hoje, pelos padrões de segurança, seria um perigo em potencial para os pedestres, mas naquela época ninguém pensava muito nesses termos. Havia ainda um pequeno enfeite, também cromado, no topo do capô. Essas mudanças eram na realidade muito pequenas, mas acrescentaram um toque atraente ao veículo, para a época. A Station Sedan, que nunca foi uma campeã de vendas, foi eliminada nesse ano. No meio do ano a Willys tirou de linha o antigo motor com comando de válvulas lateral e colocou à disposição do público o novo modelo de quatro cilindros com o comando de válvulas em cima, ou como passou a ser conhecido, o motor Hurricane. Isso veio como uma dose de vitaminas tanto para o desempenho dos carros como também para as vendas, que aumentaram sensivelmente naquele ano. Um fato bastante interessante foi o de que a linha de Jeeps só recebeu esse motor em 53, na versão que conhecemos como cara de cavalo.

Nova versão, o furgão só teve a frente modificada. A simplicidade continuava a mesma.

Pick-up

A imagem que o Jeep sempre projetou de "pau para toda obra" e de robustez fez com que houvesse a expectativa, por parte do público em geral, de que a Willys comercializaria um caminhão leve logo que a guerra terminasse e foi exatamente isso que aconteceu em 1946. Caminhões leves não eram algo estranho para a Willys, que tinha uma longa história de participação no mercado de veículos comerciais. Em 1910 ela tinha dois modelos de caminhões de entrega montados sobre o chassis do carro Overland de passageiros. Em 1912, John North Willys assumiu o controle da Gramm Motor Truck Company da cidade de Lima, Ohio e da Garford Automobile Company de Elyria também de Ohio, produtoras de caminhões de uma tonelada e acima disso. A história da trajetória da fábrica e de John North Willys eu conto numa outra vez. Voltando ao que interessa, a pick-up Willys foi o primeiro veículo comercial especialmente para carga a ser lançado com a frente das Wagons em 1946. Era construído na plataforma de 104 polegadas entre eixos da Wagon e tinha uma capacidade de carga de 500 quilos.

Usava a mesma configuração de frente e cabine das Wagons e uma caçamba com os pára-lamas externos e, assim como a Wagon, a pick-up usava o mesmo motor que equipou toda a linha até o surgimento do Hurricane.

Em 1947 uma nova versão mais robusta e mais longa foi introduzida, e a capacidade de carga foi aumentada para uma tonelada. Ela era oferecida nas formas de pick-up, chassis com cabine ou apenas chassis.

Na próxima edição veremos toda a trajetória da pick-up, lá e aqui, e como surgiu o primeiro esportivo da linha Willys, o Jeepster, e sua raríssima derivação brasileira, o Saci. Até lá, e mantenham os Jeeps rodando.

FIM DA REPORTAGEM DA REVISTA


Sugestões e duvidas: alanj@conex.com.br

Atualizado em 21 dez 2002

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